O cuidado com a pele é de extrema importância para as crianças e adolescentes com cancro. A Dra Mariana Cravo, Dermatologista do Serviço de Dermatologia do IPO de Lisboa, preparou estes conteúdos sobre o impacto que os tratamentos podem ter na pele e formas de evitar, tratar ou atenuar algumas dessas situações.
90 em cada 100 crianças tem uma alteração da sua pele em consequência deste tratamento, em particular se sofrerem de doenças do sangue (doenças hematológicas).
Quais as reações secundárias da quimioterapia?
As mais comuns são a queda de cabelo, inflamações e secura da pele. A queda de cabelo pode surgir desde dias até 3 meses após o início da quimioterapia.
De momento não existe nenhum tratamento para esta situação, no entanto, aconselha-se o uso de um champô suave e evitar produtos capilares que podem agredir o couro cabeludo.
As inflamações da pele causadas pela quimioterapia podem ter aspetos clínicos e gravidade muito variáveis.
A área genital, em crianças que usam fralda, é frequentemente atingida, observando-se vermelhidão em redor do ânus, grandes lábios / escroto, podendo causar pequenas feridas na pele, que causam bastante mal-estar e, por vezes, dor.
Para prevenir esta situação, é importante que seja feita uma muda frequente da fralda e limpeza da área com produtos suaves, sem sabão ou perfume e evitar o uso de toalhetes perfumados.
Deve ser aplicado um creme barreira suave, que fique transparente quando aplicado na pele, que permita que esta possa “respirar” e que seja facilmente removível.
No caso da secura da pele aconselha-se o uso de produtos de higiene sem sabão, com pH fisiológico, devendo ser evitados sabonetes alcalinos.
Logo após o banho, e ainda com a pele ligeiramente húmida, porque facilita a sua absorção, é fundamental a aplicação de um creme hidratante, sem perfume, adaptado à idade da criança.
A cirurgia, a nível da pele, tem como consequência a presença de uma cicatriz. O aspeto da cicatriz depende da sua localização e tempo de evolução.
A pele da face, couro cabeludo e pescoço tende a cicatrizar melhor do que a do tronco dos braços e pernas. Nestas partes do corpo, a cicatriz tende a ficar com um aspeto “aberto” (deiscente) e com pele flácida (mole) no centro. Também pode resultar uma cicatriz dura, espessa e elevada (quelóide ou hipertrófica) que pode ser desconfortável e causar dor ou comichão.
O que posso fazer para que a cicatriz cirúrgica do meu filho fique o mais discreta possível?
Depois de se retirarem os pontos, deve ser aplicado, duas vezes ao dia, sobre a cicatriz, um creme cicatrizante, com uma massagem da mesma. Também podem ser aplicadas placas de silicone. Em ambos os casos, estes procedimentos devem ser feitos durante cerca de 6 meses.
Deve evitar-se a exposição da cicatriz ao sol durante o primeiro ano após a cirurgia, para evitar que esta se torne mais escura do que a pele em redor.
Se a cicatriz estiver localizada numa zona sempre exposta ao sol, (face, pescoço, dorso das mãos) a mesma deverá ser sempre protegida através da aplicação de um creme protetor solar 50+, por um período aproximado de um ano.
Quais são os novos tratamentos para o cancro?
- a terapêutica-alvo, que são medicamentos que destroem as células malignas;
- a imunoterapia, que estimula o sistema imunitário no combate à doença.
Apesar de serem um enorme e importante avanço na luta contra as doenças oncológicas, têm vários efeitos secundários na pele e seus anexos (cabelo e unhas), como inflamação, xerose (secura da pele) e comichão.
A secura da pele e comichão devem ser tratadas da mesma forma que que está descrita nos efeitos da quimioterapia.
O que são as erupções acneiformes?
É uma forma de inflamação da pele, que acontece com a terapêutica-alvo, e que é parecida com a acne. As áreas mais atingidas são a face e o tronco.
Em situações mais graves, a erupção pode atingir toda a pele, incluindo o couro cabeludo. Estas erupções surgem dias a semanas após o início do tratamento.
Como se trata este efeito indesejável?
Dependendo da gravidade, podem ser receitados líquidos desinfetantes, assim como antibióticos e corticóides de aplicação direta na pele.
Que cuidados devem ter?
É importante que a criança não apanhe sol nesta fase, pois pode agravar esta reação. Se necessário, deve proteger a pele com um creme protetor solar.
As “borbulhas” não devem, em situação alguma, ser mexidas ou espremidas, pois pode agravar a inflamação e causar uma infeção bacteriana.
Outro efeito secundário comum destes tratamentos são as alterações das unhas. Pode surgir inflamação da pele em redor das unhas (mãos e/ou pés) e aparecerem pequenos granulomas (caroços), que podem ser dolorosos. Aparecem após semanas ou meses do início do tratamento.
Para prevenir e diminuir estas alterações, é importante evitar que a criança roa as unhas e não deve usar calçado apertado e pouco flexível. As unhas devem ser cortadas com muito cuidado para evitar feridas e possíveis infeções.
A radiodermite aguda é um efeito comum da radioterapia, e tende a surgir durante ou logo após o ciclo de tratamento.
Observa-se uma inflamação aguda da pele, tornando-se esta vermelha, como uma queimadura, com eventual dor e ardor.
É importante, durante o tratamento, seguir as indicações da equipa de radioterapia, relativas aos produtos que podem ser aplicados na pele, para que estes não diminuam o efeito da radioterapia.
Que cuidados ter durante a radioterapia?
- Antes de iniciar cada sessão de radioterapia, a pele deve estar limpa e sem quaisquer cremes ou pomadas.
- Durante o ciclo de tratamento, deve ser aplicado, todos os dias, uma fina camada de creme hidratante.
- O banho deve ser com água morna e usar sabonete não perfumado.
- Evite usar jato de água do chuveiro diretamente na pele que foi tratada com radioterapia.
- No final, a pele deve ser seca com uma toalha macia e com leves toques.
- Deve usar roupas largas, sem serem de ganga ou lycra.
- A pele que for tratada com radioterapia não pode ser exposta ao sol durante todo o tratamento e, de preferência, durante um ano após o tratamento.
O Transplante de Medula Óssea (TMO) é um tratamento usado, por exemplo, nas leucemias e linfomas, que são doenças do sangue e do sistema linfático.
Que complicações para a pele pode trazer um transplante de medula óssea?
- Doença de Enxerto Versus Hospedeiro (DEVH);
- Infeções;
- Reações a medicamentos;
- Aumento do risco de aparecimento de cancro de pele, no futuro.
Doença de Enxerto Versus Hospedeiro (DEVH)
Esta complicação só acontece quando o transplante é feito através de um dador de medula óssea, porque resulta do risco de rejeição. Não acontece quando é feito um autotransplante (da própria pessoa).
Pode ser aguda ou crónica, e a sua gravidade varia muito. A sua forma aguda surge nos primeiros meses após o transplante.
A pele é um dos órgãos mais atingidos. Pode ficar inflamada e com vermelhidão (atinge mais o pescoço, palmas e plantas), xerose (secura) e comichão.
No caso da DEVH crónica, que surge mais tarde depois do transplante, a pele pode ficar mais rija e dura, nomeadamente na zona das articulações, podendo causar uma limitação ou dificuldade dos movimentos.
Pode haver mudança da cor da pele, com zonas mais claras, e outras mais pigmentadas ou manchadas e ainda haver alteração da textura do cabelo e alterações das unhas.
A pele fica mais seca, descama e causa comichão.
Estes efeitos secundários são tratados de igual forma ao que que está descrito na quimioterapia.
Infeções
Como para o sucesso do transplante é preciso diminuir ou eliminar o sistema imunitário (imunossupressão) através de medicamentos, podem surgir infeções. Estas infeções afetam a pele de muitas formas.
Logo a seguir ao transplante, podem aparecer borbulhas com pús ou pequenos altos.
Mais tarde, podem surgir verrugas virais (chamadas de “cravos”), que são contagiosas, através do toque, não só para a própria criança como para outras. Deve evitar-se, dentro do possível, que a criança mexa, coce ou roa as verrugas para evitar que se espalhem pelo corpo.
Apesar dos tratamentos, muitas das verrugas não desaparecem, e só com a melhoria do sistema imunitário estas acabam por desaparecer.
Reações a medicamentos
Algumas vezes há inflamação e vermelhidão da pele que surgem pouco depois do transplante.
Não é devido ao transplante por um dador (DEVH) mas é um efeito secundário de um medicamento, que faz parte do tratamento durante o transplante.
Distinguir entre estas duas situações nem sempre é fácil e, muitas vezes, só com uma biopsia (exame) de pele se consegue.
Aumento do risco de aparecimento de cancro de pele
Com a diminuição do sistema imunitário, também diminuem as defesas do corpo e a sua capacidade de destruir as células malignas que possam vir a surgir.
Após o transplante, a falta de defesas, em conjunto com o tratamento anterior com quimioterapia e/ou radioterapia, aumenta o risco de desenvolvimento de cancro de pele.
São muito importantes os cuidados de proteção solar para evitar esta situação futura (ler no texto “Proteção solar na criança com doença oncológica”)
A radiação ultravioleta emitida pelo sol é a principal responsável tanto pelos seus efeitos benéficos como maus na pele.
O sol contribui para um efeito anti-raquítico (através da síntese de vitamina D) e anti-depressivo. Por outro lado, causa queimaduras solares e diminui o sistema imunitário (de proteção).
A longo prazo, pode causar envelhecimento e cancro de pele.
As crianças são mais atingidas pelos efeitos negativos do sol porque a sua pele tem menos proteção natural e é mais fina, sendo, por isso, mais sensível.
No caso particular da criança com doença oncológica, a sua pele está ainda mais sensibilizada pelos tratamentos a que foi ou está a ser submetida, tendo um maior risco de sofrer uma queimadura solar. Ao mesmo tempo, alguns destes tratamentos também aumentam a probabilidade de desenvolvimento de cancro de pele no futuro, pelo que quando estão ao sol, estas crianças deverão estar devidamente protegidas.
Não esquecer que durante os tratamentos oncológicos, e até um ano após a sua conclusão, estas crianças não devem expor-se ao sol.
Para que haja uma relação saudável com o sol e para que a criança possa aproveitar os seus efeitos benéficos, é preciso respeitar as horas de exposição solar, evitando o período entre as 11 e as 17 horas.
Uma proteção solar eficaz inclui:
- uso de roupa adequada, chapéu e óculos escuros;
- preferência pela sombra.
Que tipo de protetor solar deve ser usado e de que forma?
Nas crianças com cancro, tratadas nos 2 a 3 anos anteriores, devem usar-se protetores solares com filtros físicos ou minerais.
Estes protetores não são absorvidos pela pele, diminuindo o risco de reação alérgica.
O protetor deve ser posto nas zonas da pele que não estão protegidas pela roupa, como a cara, o pescoço, as orelhas, os antebraços e as pernas e deve ser aplicado, de forma generosa, cerca de 30 minutos antes da exposição solar e reaplicado a cada 2 horas.
Após a exposição solar, a pele deve ser bem lavada, para retirar os restos do protetor. Podem usar-se produtos de limpeza suaves, e de seguida hidratar bem a pele com creme.
Os dermocorticóides são medicamentos que, aplicados na pele combatem a sua inflamação. Podem ser cremes, pomadas, geles, emulsões, soluções e até champôs.
Apesar de serem muito eficazes, têm alguns efeitos secundários, como:
- atrofia da pele (fica mais fina);
- aparecimento de estrias, de pelos grossos e de telangiectasias (pequenos vasos de sangue visíveis na pele).
Quando aplicados durante muito tempo, estes medicamentos podem trazer problemas mais frequentemente na face, área genital (sexual) e axilas. Nestas zonas a pele é mais fina e por isso é mais fácil e rápido desenvolver efeitos secundários.
Se usados em excesso, podem causar, no rosto, acne, rosácea (pele com vermelhidão) e dermite perioral (irritação em volta da boca), situações de difícil tratamento.
Estes medicamentos não devem ser usados nas infeções da pele por vírus, bactérias ou fungos, pois o seu efeito diminui as defesas e aumenta a infeção.
O que é a corticofobia?
É o medo não racional e não justificado do uso de corticóides. Normalmente resulta de ausência de informação sobre o uso adequado destes medicamentos.
Quais as regras para aplicar um corticoide na pele?
- aplicação uma vez por dia;
- de preferência à noite;
- aplicar sobre a zona de pele com o problema;
- em pouca quantidade, mas suficiente para cobrir a zona a tratar;
- fazer uma pequena massagem para absorção completa do produto.
A duração do tratamento depende da gravidade da inflamação da pele e da localização da zona de pele a tratar.
Os dermocorticóides devem ser usados apenas por recomendação médica.