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Sobreviver ao cancro pediátrico: os desafios que continuam depois da cura

Superar um diagnóstico de cancro pediátrico é, sem dúvida, motivo de celebração. Mas, embora cada remissão seja uma vitória, o caminho dos sobreviventes está longe de terminar aí. Vários estudos mostram que, à medida que crescem, crianças e adolescentes que venceram o cancro enfrentam riscos acrescidos de saúde física e mental, exigindo acompanhamento contínuo ao longo da vida. A prioridade agora é garantir não só vidas mais longas, mas também com melhor qualidade.

Efeitos secundários a longo prazo

Os tratamentos mais utilizados no combate ao cancro pediátrico – como a quimioterapia, radioterapia, cirurgia e imunoterapias como a CAR-T – têm permitido aumentar significativamente a taxa de sobrevivência: hoje, entre 83% a 88% das crianças diagnosticadas sobrevivem mais de cinco anos, face aos 58% a 68% registados nos anos 70.

Contudo, a exposição a estes tratamentos deixa marcas. Um exemplo é o uso de quimioterapia à base de platina, como o cisplatina, eficaz contra o tumor mas altamente tóxica para a audição. Um estudo recente, publicado na Cancer Research Communications, identificou uma enzima (APE2) como causadora de danos mitocondriais nas células auditivas do ouvido interno. A sua remoção, segundo os investigadores do Cleveland Clinic’s Lerner Research Institute (EUA), protegeu estas células sem comprometer o efeito do medicamento no combate ao cancro – abrindo caminho para alternativas ao uso de sódio tiossulfato, atualmente aprovado apenas para tumores não metastáticos.

O medo de um novo diagnóstico

A par dos efeitos físicos, muitos sobreviventes vivem com o receio constante de uma recidiva. Num estudo com 229 adultos sobreviventes de cancro pediátrico, um terço revelou medo elevado de recidiva ou desenvolvimento de outro cancro. Metade desses apresentava níveis de ansiedade ou depressão associados, com impacto na vida profissional e na perceção de saúde.

Estudos indicam que 4,2% dos sobreviventes desenvolvem um segundo cancro e, entre estes, 38% não sobrevivem. A maioria destes casos surge mais de dez anos após o fim do primeiro tratamento. No entanto, a vigilância contínua tem mostrado resultados positivos. Um estudo demonstrou que o rastreio regular ao cancro do cólon reduziu em 73% o risco de morte entre sobreviventes de cancro pediátrico.

Envelhecimento precoce e doenças crónicas

Sobreviventes de cancro pediátrico têm um risco acrescido de envelhecimento biológico precoce e doenças crónicas. Um estudo indicou que, aos 47 anos, a saúde de um adulto que teve cancro em criança equivale à de uma pessoa de 65 anos sem esse historial.

Problemas como colesterol elevado, hipertensão e insuficiência renal são duas vezes mais comuns entre estes sobreviventes do que na população geral. Este envelhecimento antecipado exige planos de cuidados prolongados e personalizados.

Impacto emocional, social e financeiro

A doença não afeta apenas o corpo. A nível psicológico, as crianças e adolescentes com cancro têm maior probabilidade de desenvolver ansiedade, depressão, transtorno de stress pós-traumático e outras perturbações. Podem ainda enfrentar dificuldades na reintegração escolar, social e profissional, bem como riscos acrescidos de dependência de álcool ou tabaco.

A isto junta-se o impacto financeiro da doença: consultas regulares, exames de vigilância e os efeitos colaterais podem ter um custo significativo ao longo da vida. Além disso, limitações educativas e profissionais resultantes do tratamento podem comprometer o rendimento futuro.

Um futuro com mais esperança

Apesar destes desafios, os avanços na investigação continuam a abrir novas possibilidades. Com o aumento do número de sobreviventes e a recolha sistemática de dados, os investigadores estão a desenvolver estratégias para antecipar, prevenir e tratar os efeitos a longo prazo da doença e dos seus tratamentos. A investigação atual está, cada vez mais, focada não apenas em salvar vidas, mas também em garantir que essas vidas sejam vividas com saúde, dignidade e bem-estar.

Fonte: AACR

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