Um número crescente de ensaios internacionais confirma o potencial da medicina de precisão para melhorar os tratamentos de crianças e adolescentes com cancro, sobretudo nos casos mais complexos. Os resultados mais recentes revelam que, em situações de doença avançada ou de alto risco, o recurso a terapias orientadas por alterações genéticas pode ter impacto significativo na resposta ao tratamento e na sobrevivência.
A medicina de precisão em oncologia pediátrica baseia-se na análise genética aprofundada dos tumores para identificar mutações ou alterações específicas que podem ser alvo de terapias personalizadas. Programas como o ZERO Childhood Cancer Program (Austrália), INFORM (Alemanha), MAPPYACTS (Europa), GAIN/iCat2 (EUA) e PedMATCH (EUA) têm sido pioneiros na implementação deste modelo.
O que mostram os estudos?
A maioria dos programas demonstrou que entre 48% e 70% dos tumores analisados apresentam mutações potencialmente tratáveis. Apesar disso, a percentagem de crianças que chega a receber terapias dirigidas ainda varia muito — de 12% a 43% —, devido a limitações como acesso a medicamentos, critérios de elegibilidade para ensaios clínicos ou aprovação regulatória.
Um dos estudos com resultados mais sólidos é o ZERO, que mostrou que crianças com cancro de alto risco que receberam terapias dirigidas com base no perfil genético dos tumores tiveram melhor sobrevivência sem progressão da doença. A taxa de sobrevivência ao fim de dois anos foi de 26% para quem recebeu terapias orientadas por dados genéticos, face a 5,2% nos casos em que essas terapias não foram usadas.
Também o estudo europeu MAPPYACTS demonstrou benefícios em crianças com tumores recidivantes ou resistentes. Os investigadores conseguiram identificar alterações genéticas relevantes em quase 70% dos casos e, embora só um terço das crianças tenha recebido tratamento, os resultados mostraram respostas objetivas em 17% dos casos — número significativo num grupo clínico tão complexo.
Mais do que tratamento: diagnósticos e decisões
Estes programas trazem também avanços no diagnóstico. Em cerca de 8% dos casos, os testes genéticos permitiram rever ou esclarecer o tipo de tumor. Além disso, em até 22% dos casos foram identificadas mutações genéticas hereditárias, com impacto na vigilância de familiares e em decisões clínicas futuras.
A decisão sobre o tipo de tratamento é tomada com base na evidência científica disponível, através de equipas multidisciplinares — os chamados “tumor boards” moleculares — que reúnem médicos, cientistas e outros especialistas para avaliar cada caso.
O que falta fazer?
Apesar dos resultados encorajadores, muitos desafios persistem. Nem todos os países têm programas integrados de medicina de precisão em oncologia pediátrica, e o acesso a terapias inovadoras continua limitado. A escassez de ensaios clínicos pediátricos, as barreiras regulatórias e os custos associados aos testes genéticos são entraves significativos.
Os especialistas defendem que todos os casos de cancro pediátrico, e não apenas os de alto risco, devem beneficiar de sequenciação genética completa. Para isso, será necessário padronizar a forma como os estudos são conduzidos e reportados, garantir financiamento contínuo e criar estruturas que permitam acesso equitativo a novas terapias em todos os países.
A esperança é clara: oferecer a cada criança um tratamento personalizado, mais eficaz e menos tóxico. Com os avanços registados, este objetivo parece cada vez mais ao nosso alcance.
Fonte: Springer Medicine