Um diagnóstico de cancro pediátrico altera a vida de toda a família — e explicar essa realidade às crianças, mesmo que não sejam elas as doentes, pode ser um desafio emocional e comunicacional. Especialistas garantem que o segredo está em informar sem sobrecarregar e respeitar sempre o tempo e a maturidade de cada criança.
Mesmo sem entenderem exatamente o que está a acontecer, as crianças percebem mudanças nas rotinas, no comportamento dos adultos e na forma como o ambiente familiar se transforma. Fingir que nada mudou ou esconder a doença pode ser mais prejudicial do que encarar a situação com verdade e clareza. “É fundamental que as crianças saibam o que se passa, para que possam expressar os seus medos e preocupações, e se preparem para as mudanças que a doença traz”, lê-se num documento da Ordem dos Psicólogos dedicado ao tema.
Falar com verdade, mas de forma adequada
A informação deve ser transmitida “de forma faseada e adaptada à idade e ao desenvolvimento emocional da criança”, explica Maria Jesus Moura, psicóloga e diretora do serviço de Psicologia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO). Esconder a doença ou adiar a conversa pode alimentar fantasias ou medos ainda maiores do que a realidade.
Cada fase do desenvolvimento exige uma abordagem diferente. As crianças em idade pré-escolar, por exemplo, podem não compreender o que é o cancro, mas percebem que algo mudou — como o ambiente em casa ou o tempo passado na escola. Os adolescentes, por outro lado, já têm mais noção da gravidade e podem procurar informações na Internet, sendo fundamental ajudá-los a distinguir fontes seguras e a fazer perguntas abertamente.
A recomendação é que a conversa seja feita num momento calmo, sem pressas e longe de rotinas como a hora de deitar ou de sair para a escola. “O fim de semana pode ser uma boa altura”, sugere a psicóloga. Numa fase inicial, pode bastar falar sobre o que é uma doença, ou o que distingue uma doença ligeira de uma doença grave. E, à medida que surgem dúvidas, as explicações vão sendo aprofundadas.
Dar espaço para perguntas (e para dizer “não sei”)
Uma das perguntas mais difíceis é também uma das mais frequentes: “vou morrer?” ou “vais morrer?”. A resposta deve ser honesta e tranquilizadora. “Podemos explicar que todos vamos morrer um dia, mas que os médicos estão a fazer tudo para ajudar a pessoa doente a melhorar. E que, na maioria dos casos, há boas probabilidades de recuperação.”
Nem sempre os adultos sabem o que vai acontecer — e está tudo bem em dizê-lo. Admitir que não se sabe, por exemplo, quantos dias o pai estará no hospital, transmite segurança e confiança, sem falsas garantias.
Linguagem adaptada, apoio contínuo
As crianças compreendem o mundo através do que veem e sentem. Por isso, usar desenhos, jogos ou objetos concretos pode ajudar a explicar situações difíceis, como os efeitos dos tratamentos ou mudanças nas rotinas. Uma criança pode não saber o que são “quimioterapia” ou “efeitos secundários”, mas pode entender que a mãe vai perder o cabelo ou que vai estar mais cansada.
Também é importante explicar alterações no dia a dia: quem vai buscar a criança à escola, quem vai estar mais presente em casa, quem vai ao hospital. Estes pequenos detalhes ajudam a construir um sentimento de previsibilidade e segurança.
Continuar a conversa ao longo do tempo
O mais importante é que a criança sinta que pode voltar a falar sobre o assunto sempre que quiser. “As crianças e os jovens têm mecanismos de adaptação e conseguem lidar com sofrimento emocional. Muitas vezes demoram a formular perguntas ou a expressar o que sentem, por isso devemos estar disponíveis para os escutar, ao ritmo deles.”
A empatia, a escuta ativa e a presença dos adultos — familiares e profissionais de saúde — são fundamentais para ajudar cada criança a atravessar este momento com o apoio e a informação de que realmente precisa. Porque, mesmo quando o diagnóstico é difícil, a confiança começa na verdade partilhada.
Fonte: Polígrafo