No âmbito da renovação do PIPOP, a Fundação Rui Osório de Castro contou com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS) na estratégia de apresentação gráfica e de revisão de conteúdos, garantindo o alinhamento com boas práticas de literacia em saúde e de comunicação em saúde para uma melhor acessibilidade e compreensão do cancro pediátrico. Para aprofundar esta parceria e sublinhar a importância da literacia em saúde, entrevistámos a Professora Doutora Cristina Vaz de Almeida, Presidente da SPLS.
PIPOP – O que é, afinal, literacia em saúde? Poderiam explicar, de forma simples, o que se entende por literacia em saúde e porque é tão importante nos dias de hoje?
Cristina Vaz de Almeida – A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS) tem aprofundado o conceito para que seja mais abrangente e vá além das competências dos indivíduos. Temos de abordar também a literacia em saúde organizacional e a literacia em saúde pública. Assim, o conceito é o seguinte:
O melhor nível de literacia em saúde permite alavancar as competências (conhecimentos, capacidades, atitudes e atributos) dos vários públicos, promovendo uma maior motivação que conduz ao acesso, compreensão, avaliação e uso dos recursos em saúde, bem como a uma navegação eficaz no sistema. Isto visa decisões em saúde mais responsáveis, refletidas e acertadas — seja por indivíduos, grupos, organizações ou pelo próprio sistema integrado de saúde, social, educativo, cultural e político — e contribui para melhores resultados em saúde e bem-estar.
A literacia faz bem à saúde, é a riqueza de uma nação e salva vidas. (SPLS, 2024)
PIPOP – Qual é o impacto da literacia em saúde na vida das pessoas? De que forma uma boa literacia em saúde pode melhorar o bem-estar e a tomada de decisões de quem vive de perto com uma doença, como o cancro pediátrico?
Cristina Vaz de Almeida – Sem dúvida que uma boa literacia em saúde melhora o bem-estar e a capacidade de tomar decisões de quem está a viver de perto com uma doença como o cancro pediátrico porque desenvolve melhores competências para gerir os recursos numa saúde quase sempre complexa, em particular no campo da navegbilidade no sistema.
Quando abordamos a literacia em saúde neste contexto, torna-se ainda mais premente — tanto para os cuidadores como para os jovens doentes, sempre que têm idade suficiente para participar nas decisões.
O impacto positivo reflete-se, pelo menos, em cinco dimensões:
- Maior e melhor compreensão do plano terapêutico;
- Aumento da capacidade de comunicação com os profissionais de saúde;
- Participação ativa e tomada de decisões partilhada;
- Maior conhecimento e capacidade de gerir o dia a dia da doença;
- Apoio emocional à criança.
PIPOP – Como avaliam a importância de conteúdos como os do PIPOP no reforço da literacia em saúde? Que papel desempenham plataformas informativas como o PIPOP na capacitação de famílias, cuidadores e sociedade em geral?
Cristina Vaz de Almeida – A existência de bons sites sobre cancro pediátrico, como é o caso do PIPOP, é fundamental para reforçar a literacia em saúde — especialmente num momento em que as famílias enfrentam um diagnóstico devastador.
Estes conteúdos desempenham um papel essencial na capacitação de pais, cuidadores e da sociedade em geral, funcionando como pontes entre a linguagem técnica da medicina e a vida real de quem lida com a doença.
A exigência de uma informação clara, acessível e fiável sobre cancro pediátrico, como a que o PIPOP disponibiliza, tem várias vantagens:
- Acesso a informação fiável e clara;
- Melhoria do nível de compreensão e de literacia em saúde;
- Apoio à tomada de decisões;
- Apoio emocional e psicológico;
- Informação sobre direitos e apoios sociais.
O PIPOP é um excelente exemplo de como uma plataforma pode promover literacia em saúde e apoiar famílias afetadas pela doença. Destacam-se:
- Centralização da informação;
- Divulgação científica acessível, em linguagem assertiva, clara e positiva (Modelo ACP)
- Validação e confiança;
- Capacitação social;
- Apoio às redes de pais e cuidadores.
PIPOP – De que forma contribuíram para o novo PIPOP? Podem partilhar como foi o vosso contributo na revisão e melhoria dos conteúdos e o que procuraram assegurar nesse processo?
Cristina Vaz de Almeida – Um bom site sobre cancro pediátrico, como o PIPOP, não é apenas uma fonte de informação — é um instrumento de empoderamento. Contribui para a literacia em saúde, melhora a qualidade de vida das famílias e desempenha um papel vital na humanização dos cuidados em oncologia pediátrica. Ao informar, apoiar e ligar pessoas, estas plataformas ajudam a transformar o medo em ação e a vulnerabilidade em força.
A literacia em saúde não é apenas um benefício adicional — é um fator essencial de cuidado e de qualidade de vida. Investir na sua promoção, especialmente em contextos tão delicados como o cancro pediátrico, significa capacitar famílias, fortalecer o vínculo com os profissionais de saúde e melhorar os resultados clínicos e emocionais.
A revisão da linguagem técnica para uma linguagem simples, especialmente nesta área sensível, é essencial para garantir o acesso à informação, preservar a credibilidade e evitar mal-entendidos que possam comprometer a saúde. Esta prática é conhecida como tradução de conhecimento ou comunicação acessível em saúde.
A Sociedade Portuguesa de Literacia em saúde reuniu três investigadoras especialistas em literacia em saúde e comunicação em saúde, eu própria, Cristina Vaz de Almeida (Presidente da SPLS), a Drª Vânia Lima (especialista em comunicação em saúde) e a Drª Patricia Rodrigues (especialista em literacia em saúde) no processo de revisão de linguagem técnica para linguagem simples.
A divisão dos trabalhos começou pela leitura e compreensão do conteúdo técnico original.
Antes de simplificar, é preciso entender profundamente o conteúdo médico (ex.: artigos científicos, protocolos clínicos, bulas de medicamentos, relatórios).
Exemplo: Um artigo técnico que fala em “leucemia linfoblástica aguda com positividade para o marcador CD19” precisa ser entendido antes de ser simplificado.
Registamos e identificamos as ideias-chave
- O que é que a pessoa precisa mesmo de saber?
- Que partes podem ser resumidas?
- O que pode ser eliminado sem comprometer a informação?
Exemplo: Em vez de entrar em detalhes moleculares, pode-se explicar que é um “tipo comum de leucemia nas crianças, que afeta os glóbulos brancos do sangue”.
Rescrevemos os textos em linguagem acessível e editamos a complexidade das palavras com softwares específicos.
O conteúdo foi reescrito com base em princípios de comunicação assertiva, clara e positiva (Modelo ACP, Vaz de Almeida, 2020)
Consultamos as fontes de referência.
Mesmo em linguagem simples, é importante manter transparência:
O conteúdo foi baseado em fontes médicas fiáveis (hospitais, guidelines, OMS, sociedades de oncologia pediátrica), nos princípios da literacia em saúde (Manual de Literacia em saúde na Pratica, 2023)
Que boas práticas de comunicação em saúde foram integradas no novo site? Há alguma estratégia ou abordagem em particular que gostariam de destacar neste trabalho conjunto?
Cristina Vaz de Almeida – Traduzir linguagem técnica para linguagem simples no contexto do cancro pediátrico é um processo cuidadoso e multidisciplinar. O objetivo é informar sem simplificar em excesso, manter a segurança da informação médica e empoderar os leitores para tomarem decisões conscientes sobre a saúde das crianças.
Plataformas como o PIPOP, quando seguem este processo, tornam-se fontes valiosas de conhecimento acessível e responsável.
Uma das boas práticas integradas foi a introdução do Modelo ACP — Assertividade, Clareza e Positividade —, uma abordagem de desenvolvimento de competências de comunicação especialmente relevante na criação de textos, materiais informativos, design e conteúdos de saúde. Este modelo ajuda a garantir que a mensagem seja compreendida, acolhedora e eficaz, mesmo em contextos emocionalmente exigentes.