Uma nova análise ao sangue, desenvolvida por investigadores do Institute of Cancer Research (ICR), no Reino Unido, poderá ajudar os médicos a identificar os tratamentos mais eficazes para crianças e jovens com cancro, especialmente em situações de recaída.
Este teste, conhecido como biópsia líquida, funciona como uma “rede de alta tecnologia” que deteta fragmentos de ADN libertados pelas células tumorais na corrente sanguínea — o chamado ADN tumoral circulante (ctDNA). Esses fragmentos contêm informações essenciais sobre as mutações que estão a impulsionar o cancro e permitem aos médicos tomar decisões mais informadas e direcionadas sobre o tratamento.
A investigação decorre no âmbito do programa SMPaeds (Stratified Medicine Paediatrics), cofinanciado pela instituição Children with Cancer UK e liderado por Louis Chesler, no ICR. O estudo inicial foi publicado na revista Cancer Discovery, e validou a biópsia líquida como uma ferramenta complementar à biópsia tradicional de tecido, fornecendo uma imagem mais completa da doença.
A nova fase do estudo — SMPaeds2 — vai, agora, analisar como esta informação adicional pode influenciar as decisões clínicas no momento em que o cancro reaparece ou progride.
Menos invasiva, mais eficaz
Além de fornecer mais dados sobre o comportamento dos tumores, a biópsia líquida tem outra vantagem fundamental: é muito menos invasiva do que uma biópsia tradicional. Isto é particularmente importante para crianças, cujos corpos ainda estão em desenvolvimento e para quem os procedimentos cirúrgicos podem implicar riscos adicionais ou necessidade de anestesia geral.
“Muitos tumores estão localizados em zonas difíceis de alcançar, e não é viável fazer várias biópsias em crianças. Ter testes menos invasivos que nos ajudem a perceber como o tumor evolui é realmente importante”, explica Sally George, investigadora no ICR e responsável pelo desenvolvimento do teste.
Comparando com uma escavação arqueológica, uma biópsia de tecido dá-nos informação sobre uma parte muito específica do tumor, enquanto a biópsia líquida permite uma visão mais alargada — como se fosse um radar a mapear toda a estrutura.
Potencial para revolucionar o acompanhamento da doença
O SMPaeds1 já identificou mutações que se tornam mais frequentes quando certos cancros reaparecem. Esta informação poderá ser usada para desenvolver novos medicamentos dirigidos a essas alterações.
Com o avanço desta tecnologia, os investigadores esperam, no futuro, poder acompanhar o cancro em tempo real, adaptando os tratamentos à medida que o tumor muda. Esta abordagem é especialmente relevante para cancros pediátricos, que são diferentes dos cancros que afetam os adultos.
“Os cancros em crianças são muitas vezes semelhantes a células embrionárias, que têm grande capacidade de transformação. Hoje, não conseguimos acompanhar essas mudanças com detalhe. Mas com várias biópsias líquidas ao longo do tempo, podemos perceber como as células tumorais evoluem e encontrar novos alvos terapêuticos”, acrescenta George.
Apesar de, para já, este tipo de testes estar apenas disponível em contexto de investigação, o objetivo é que venha a integrar os cuidados clínicos de rotina no futuro, tornando os tratamentos mais personalizados, eficazes e adaptados a cada criança.
Fonte: Cancer Research UK