Teresa Ruivo é psicóloga clínica, com experiência em psicoterapia de crianças e adolescentes, tendo iniciado o seu percurso no Hospital Júlio de Matos, na Clínica Psiquiátrica da Adolescência e Juventude. Ao longo dos anos, descobriu no desenho uma forma de observar, registar e refletir sobre o mundo — uma prática que começou de forma espontânea e que se tornou essencial na sua vida. Sem formação artística formal, Teresa desenha em cadernos desde 2014, captando lugares, gestos, rotinas e experiências que a tocam. Apaixonada por viajar, leva sempre um caderno consigo e partilha os seus registos visuais e emocionais no Instagram (@teresaruivo), depois de muitos anos a publicá-los no seu blog. O desenho, para Teresa, é também uma forma de cuidado e de relação — algo que se reflete no projeto “Desenhar Contigo”, no IPO Lisboa.
PIPOP – Como nasceu o projeto Desenhar Contigo e o que a motivou a iniciá-lo no IPO Lisboa?
Teresa Ruivo – Assim que comecei a desenhar, em viagens e num registo de urban sketching, apercebi-me do imenso potencial social e relacional do desenho, da sua capacidade para abrir portas, quebrar barreiras e aproximar as pessoas.
Não concebendo a minha vida sem qualquer ação voluntária, tentei ir além do desenho, isto é, aproveitar todo o seu potencial social e humanitário e pô-lo ao serviço de uma causa.
Na altura houve um grande encontro de Urban sketchers em todo o IPO e a ideia de começar este projeto na Pediatria pareceu-me muito interessante, porque percebi que se trata de um Serviço em que as crianças e as suas famílias, em contextos emocionais muito duros, passam muito tempo e onde, apesar do trabalho incansável das educadoras, há sempre espaço para mais uma atividade.
PIPOP – Na prática, em que consiste este projeto?
Teresa Ruivo – Desenhar Contigo, consiste em sessões semanais de desenho na sala de espera do Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia, que têm o intuito de ajudar as crianças com doença oncológica e as suas famílias a vivenciar da melhor forma as longas horas que ali têm de estar. Desenham-se nestas sessões as mais diversas coisas, o lá fora, a natureza, objetos do quotidiano, desenhamo-nos uns aos outros, os pais, a espera, e tudo aquilo que se liga a dias e épocas especiais como o Halloween, o Natal, o Carnaval etc.
PIPOP – De que forma o desenho e a criatividade ajudam as crianças e as famílias a lidar com o tempo passado no hospital?
Teresa Ruivo – Embora seja psicóloga clínica infantil e, na minha prática, trabalhe com o desenho numa vertente terapêutica, o Desenhar Contigo não privilegia essa vertente pois, pelo contrário, o que pretende é fazer uma aliança com o lado saudável de cada criança.
Assim, e apesar de o caderno ser obviamente um espaço de expressão emocional, nestas sessões tenta-se explorar, essencialmente, a componente lúdica subjacente ao ato de desenhar. Cada criança, e muitos dos pais, tem o seu diário gráfico, e o facto de estarem a desenhar em conjunto, à roda de uma mesa, e poderem partilhar os seus desenhos, os seus êxitos e dificuldades, facilita a dinâmica relacional entre todos e cria um ambiente prazenteiro que aproxima, distrai e ajuda a passar o tempo.
Além disso, os desenhos de cada criança vão sendo interrompidos pelas práticas hospitalares que ali os levam, sejam análises, exames, consultas, ou tratamentos; voltar à sala de espera e retomar o desenho deixado a meio, obriga a criança a focar-se numa atividade saudável, o que a ajuda a reencontrar o seu equilíbrio interior e facilita, ainda que por curtos momentos, esquecer a realidade no que ela tem de mais duro.
PIPOP – As sessões decorrem sempre no mesmo sítio?
Teresa Ruivo – Normalmente sim, mas já por diversas vezes, e com a coordenação do IPO, o Desenhar Contigo saiu do hospital, acontecendo o desenho, por exemplo, no exterior, no Jardim Zoológico.
São sempre momentos especiais e julgo que a ligação a entidades exteriores é extremamente positiva e saudável.
Em colaboração com o Metro de Lisboa, por exemplo, fizemos desenhos em várias estações, que foram depois usados não só para uma exposição, como para decorar as carruagens das várias linhas do Metro.
A visita ao estúdio do Vhils (proporcionada pela Fundação Rui Osório de Castro) foi das saídas mais emblemáticas, pois as crianças tiveram um contacto muito estreito com o artista e com a sua equipa e trabalharam em conjunto no início de uma obra que foi posteriormente doada ao IPO.
PIPOP – De que forma a experiência de ter um diário gráfico pode deixar marcas nas crianças?
Teresa Ruivo – Acho que muitas delas passam a gostar de uma atividade a que antes pouco ligavam, alguns descobrem mesmo um talento que os leva, mais tarde, a enveredar pelo caminho das Artes, e outros conseguem transpor o desenho para situações inesperadas como por exemplo concursos de desenho. Estou a lembrar-me de um menino de 5 ou 6 anos, que adorava desenhar e participou (e ganhou), um concurso do Lidl, que decorou com os seus desenhos as embalagens de pão e outros alimentos.
Se a experiência de ter um diário gráfico os obrigar a levantar os olhos dos ecrãs onde tantos se refugiam, isso já é uma marca positiva e uma conquista que me deixa muito feliz.
PIPOP – Como podem outras pessoas apoiar ou envolver-se neste projeto?
Teresa Ruivo – Empresas como a Staples ou a Papelaria Emílio Braga, ou associa ções como os Urban sketchers Portugal, têm sido nossos parceiros no sentido em que nos têm fornecido material específico escolhido por nós como aguarelas, pincéis, cadernos etc. Apoios como estes são sempre muito bem-vindos, sendo de referir que não podem ser aceites materiais já abertos, dada a natureza das patologias em causa.